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Tributação das criptomoedas: Análise dos projetos de lei em trâmite no Brasil

Análise e conclusões dos cinco Projetos de Lei que versam sobre criptomoedas que estão em tramitação no Brasil

Brasil
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TEMAS

Introdução

O fenômeno dos investimentos em criptomoedas cresce, atrai inúmeros adeptos pelo mundo, e proporciona reflexos econômicos, jurídicos e sociais. O relatório Institucionalization of Cryptoassets, da KPMG, destaca inúmeros indicadores que comprovam o crescimento no mercado das criptomoedas. Entre eles, podemos citar o exponencial incremento de valor das criptomoedas, capitalização de mercado estimada em 211 (duzentos e onze) bilhões de dólares, e o elevado número de usuários, que, em 2018, era estimado em 30 milhões.

Alguns países providenciaram consistente disciplina jurídica acerca do assunto, como é o caso de Austrália , Belarus, Canadá, Gibraltar, Israel, Japão, Jersey, México, e Suíça.1

Nesse contexto, o Brasil não conta com disciplina jurídico-tributária específica para o fenômeno das criptomoedas, pois o tratamento tributário dos investimentos nessa espécie de moeda virtual se limita a duas orientações da Receita Federal do Brasil: uma veiculada no Guia de Perguntas e Respostas do Imposto da Pessoa Física, desde 2016, e outra veiculada na Instrução Normativa nº 1.888/2019.

Por essa razão, são necessárias reflexões concernentes aos Projetos de Lei (PL’s) que versam sobre a matéria, atualmente em tramitação em território nacional, tanto pela relevância do tema quanto para verificar a tendências legislativas, e, assim, contribuir para o debate acadêmico, técnico e legislativo.


Análise dos projetos de lei em tramitação no brasil

Examinada brevemente a relevância do fenômeno das criptomoedas, vamos estudar de maneira sucinta algumas conclusões que decorrem da análise dos cinco Projetos de Lei atualmente em trâmite no Brasil e que versam sobre a matéria: (i) nº 2.303/2015, (ii) nº 2060/2019, (iii) nº 3.825/2019, (iv) nº 3.949/2019, e (v) nº 4.207/2020.

A primeira delas é a complexidade do tema, traduzida na pluralidade de termos técnicos que procuram externar o conceito de criptomoeda. Moedas virtuais, criptoativos, unidades de valor criptografadas, representação digital de valor, tokens, tokens digitais, ativos virtuais são algumas das expressões utilizadas nas propostas legislativas, o que denota a complexidade do tema e a falta de consenso quanto à definição do conceito de criptomoedas, e que, segundo Dayana de Carvalho Uhdre, gera insegurança jurídica e atrapalha o desenvolvimento da tecnologia.

A segunda constatação é a tendência de haver uma disciplina jurídica calcada na definição de um conceito amplo, que abarca as noções de moeda virtual, criptomoeda e token, muito próxima à definição de criptoativo constante da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.888/2019, pois 3 (três) dos 5 (cinco) projetos veiculam definição muito semelhante àquela apresentada na referida Instrução Normativa.

A propósito, a mencionada Instrução Normativa apresenta a definição do conceito de criptoativo nos seguintes termos:

I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal (SRFB, 2019, artigo 5º).

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 3.825/2019 (BRASIL, 2019b) traduz o conceito de criptoativo (e utiliza como exemplo o bitcoin), como sendo

representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e/ou de tecnologia de registro distribuído, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a bens ou serviços, e que não constitui moeda de curso legal (BRASIL, 2019b, p. 2).

Já o Projeto de Lei nº 3.949/2019 (BRASIL, 2019c) apresenta as seguintes definições de moedas virtuais, in verbis:

Art.2º Para fins desta Lei, considera-se:

(…)

II-moeda virtual ou criptoativo: a representação digital de valor representada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; (BRASIL, 2019c, p. 2)

A seu turno, o Projeto de Lei nº 4.207/2020 (BRASIL, 2020) apresenta a seguinte definição do conceito de ativos virtuais:

Art.2º Para fins do disposto nesta lei consideram-se ativos virtuais:

I-qualquer representação digital de um valor, seja ele criptografado ou não, que não seja emitido por banco central ou qualquer autoridade pública, no país ou no exterior, ou represente moeda eletrônica de curso legal no Brasil ou moeda estrangeira, mas que seja aceito ou transacionado por pessoa física ou pessoa jurídica como meio de troca ou de pagamento, e que possa ser armazenado, negociado ou transferido eletronicamente

II-ativos virtuais intangíveis (“tokens”) que representem, em formato digital, bens, serviços ou um ou mais direitos, que possam ser emitidos, registrados, retidos, transacionados ou transferidos por meio de dispositivo eletrônico compartilhado, que possibilite identificar, direta ou indiretamente, o titular do ativo virtual, e que não se enquadrem no conceito e valor mobiliário disposto no art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.(…). (BRASIL, 2020, p. 2)

Constata-se, portanto, a semelhança entre as definições expostas.

Por fim, o PL nº 2.303/2015 procura enquadrar as criptomoedas no conceito de arranjo de pagamento, e o PL nº 2.060/2019 veicula definição própria.

Em terceiro lugar, é possível verificar pontos positivos das propostas, quais sejam: (i) apresentam uma sólida disciplina do funcionamento das Exchanges e (ii) propõem submeter os investimentos em criptomoedas tanto ao sistema que procura inibir a prática do crime de lavagem de dinheiro e outros delitos quanto ao sistema de defesa do consumidor.

Aqui é importante destacar que, à exceção dos Projetos de Lei nº 2.303/2015 e nº 2.060/2019, todos preveem diretrizes, regras e condições mínimas de funcionamento das Exchanges.

Ademais, com exceção do PL nº 2.060/2019, as propostas legislativas sugerem a inclusão das Exchanges na malha de pessoas físicas e jurídicas que desempenhem atividade de captação, intermediação e aplicação de recursos de terceiros, dentre outros investimentos, e que, no contexto de sua atividade, possuem o dever de comunicar ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras – COAF quaisquer movimentações com indícios de prática de crime de lavagem de dinheiro, à exceção do PL nº 2.303/2015, que prevê a submissão das próprias transações com criptomoedas à essa sistemática.

Os Projetos de Lei procuram, ainda, evitar a utilização das criptomoedas para a prática decrimes como pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal e outros crimes contra o Sistema Financeiro.

Além disso, com exceção do PL nº 2.060/2019, todos os demais procuram, expressa ou implicitamente, submeter as operações com criptomoedas ao sistema de defesa do consumidor.

Em quarto lugar, é possível constatar alguns pontos negativos, quais sejam: (i) conceito amplo que abarca as noções de moeda virtual, criptomoeda e token, sem elementos de distinção entre eles, e (ii) poucas disposições relacionadas às repercussões tributárias decorrentes das operações com criptomoedas.

Nesse contexto, verificamos que 3 (três) das cinco propostas apresentam definição de um conceito que abarca as noções de moeda virtual, criptomoeda e token, sem elementos de distinção entre essas noções.

Os Non-fungible Tokens (NFT’s) são ótimos exemplos para entender a distinção entre criptomoedas e outros tokens que também usam blockchain. NFT´s são espécies de tokens que se consubstanciam em certificados digitais de originalidade atrelados à tecnologia Blockchain, cuja função é comprovar a originalidade de determinada mídia digital,2 enquanto criptomoedas são consideradas moedas virtuais. Já criptoativos podem abranger ambas as categorias. Porém, uma clara definição é importante para fins de segurança jurídica.

Dessa forma, sugerimos a demarcação desses conceitos, para que futuramente não haja confusão por parte do intérprete no momento da aplicação da norma jurídica.

O segundo ponto negativo é a pouca disciplina dos aspectos tributários das transações envolvendo criptomoedas. Nesse sentido, com exceção do PL nº 3.949/2019, que prevê a aplicação dos §§ 1º e 2º do artigo 21 da Lei nº 8.981/1995, bem como afasta a aplicação do artigo 32 do referido diploma legal, as demais propostas legislativas não abordam temas como fato gerador, base de cálculo, alíquota do imposto devido, e também não tratam de fenômenos próprios das operações com criptomoedas, como mineração, hard fork, entre outros, de relevância para a tributação.


Conclusão

Portanto, da análise dos 5 (cinco) Projetos de Lei que versam sobre criptomoedas e que estão em tramitação no Brasil, é possível extrair as seguintes conclusões: (i) a complexidade do tema, traduzida na pluralidade de termos técnicos que procuram externar o conceito de criptomoeda; (ii) a tendência de haver uma disciplina jurídica calcada em um conceito amplo, muito semelhante ao conceito de criptoativo constante da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.888/2019, o qual abarca as noções de moeda virtual, criptomoeda e token; (iii) pontos positivos dos Projetos de lei, que consistem na sólida disciplina do funcionamento das Exchanges, e na submissão dos investimentos em criptomoedas tanto ao sistema de inibição ao crime de lavagem de dinheiro quanto ao sistema de proteção ao consumidor; e (iv) pontos negativos, quais sejam: conceito amplo que abarca  as noções de moeda virtual, criptomoeda e token, sem parâmetros de distinção entre essas noções, e nas poucas disposições relacionadas aos aspectos tributários das operações com criptomoedas.


[1] Law Library Of Congress, U.S.. Global Legal Research Directorate. Regulation of Cryptocurrency Around the World. [Washington, DC: The Law Library of Congress, Global Legal Research Center, 2018] Pdf. https://www.loc.gov/item/2018298387/.
[2] Garret, Filipe, “O que é NFT? Entenda como funciona a tecnologia do token”, TechTudo, 23/03/2021, sisponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2021/03/o-que-e-nft-entenda-como-funciona-a-tecnologia-do-token.ghtml . Acesso em: 18 jun 2021.