Tributación Internacional

Qual a melhor maneira de se tributar o impacto ambiental?

Análise das diferentes alternativas para tributar o impacto ambiental, com especial ênfase na proposta de uma tributação sustentável do lucro empresarial

Brasil
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

TEMAS

O uso da tributação como ferramenta contra atividades econômicas que produzem impactos negativos no meio-ambiente, tal qual a mudança climática, finalmente alçou posição de destaque na agenda internacional. Unindo-se à Organização das Nações Unidas (ONU), que já vinha se dedicando à elaboração de um manual sobre o imposto do carbono para países em desenvolvimento, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recentemente divulgaram um relatório conjunto sobre diferentes mecanismos de precificação do carbono, no que foram seguidos por uma proposta da Comissão Europeia de 14 de julho de 2021 de instituição de um ajuste na fronteira para produtos de intensa emissão de gás carbônico. Um modelo de tributação ambientalmente consciente se faz hoje mais do que necessário, tendo em vista tanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030) quanto o Acordo de Paris e, até mesmo em âmbito regional, o European Green Deal.

Este comentário começa por discutir a ideia de “impostos verdes”, para, então, contrastá-los a uma proposta recentemente apresentada por alguns pesquisadores, no sentido de se utilizar a tributação do consumo para fins ambientais via reforma do imposto sobre o valor agregado (IVA). Feitas essas considerações iniciais, é exposta, em seguida, uma nova forma de se pensar a tributação ambiental que julgamos mais adequada, por meio de um imposto centrado na renda corporativa, porém especificamente voltado ao combate aos impactos prejudiciais ao meio-ambiente.


Os impostos verdes

As recentes propostas da ONU, FMI, OCDE e Comissão Europeia se assemelham ao disporem sobre medidas regulatórias de desincentivo à produção ou consumo de mercadorias e serviços que resultem em danos ambientais, especialmente a emissão de gases do efeito estufa. Quando tais medidas se revestem de natureza tributária, a estratégia mais comum adotada por governos tem sido a de impor uma sobretaxa sobre os preços de produtos danosos ao meio-ambiente, com vistas a encarecê-los e, assim, reduzir o seu uso. Na prática, os impostos verdes funcionam como um instrumento de caráter punitivo, tal como os já bastante utilizados impostos específicos sobre o consumo de tabaco, álcool e demais atividades consideradas socialmente nocivas—daí sendo, por vezes, apelidados de “impostos do pecado”.

A justificativa principal não é propriamente gerar receitas adicionais ao Estado—muito embora esse possa ser um fundamento complementar—mas usar a tributação como forma de regulação voltada a moldar comportamentos e forçar os responsáveis pela geração de externalidades negativas a internalizarem custos, na linha do que teorizou o economista Arthur Pigou ainda no início do século passado. Daí, o imposto sobre o carbono pode ser visto como uma forma moderna de “imposto pigouviano”, mas que visa realizar o consagrado princípio de direito ambiental do poluidor-pagador. Como imposto regulatório, seu principal efeito é corrigir falhas de mercado que permitem com que alguns desfrutem da exploração do ecossistema sem arcar com os custos correspondentes à destruição ecológica.


Do imposto do carbono ao IVA ambiental

Seguindo lógica similar à descrita acima, porém buscando atingir toda espécie de mercadoria e serviço com algum impacto ambiental, especialistas têm proposto reformar o IVA para que possa servir à sustentabilidade. Uma ideia interessante nesse sentido é a do denominado Damage VAT (DaVAT). A originalidade desse modelo está em, ao invés de aplicar diferentes alíquotas a produtos sustentáveis e não-sustentáveis, propor o recálculo de preços para fins de composição da base de cálculo do IVA, de modo a incluir os custos com a degradação ambiental. Para tanto, os autores dessa proposta sugerem a utilização da técnica de avaliação do clico de vida, no que se refere à quantificação dos impactos ambientais de cada bem comercializado. Trata-se de uma metodologia científica internacionalmente padronizada que verifica, ao longo de toda uma cadeia de suprimento, quais são as consequências produzidas no meio-ambiente, desde a extração da matéria-prima, passando por todas as estadas de fabricação e demais fases de adição de valor, até o consumo final e descarte do produto.

O DaVAT é resultado da combinação de três elementos: um IVA uniforme de alíquota única e baixa, aplicado de forma ampla a todo tipo de mercadoria ou serviço; uma sobretaxa refletindo o dano global de cada mercadoria e serviço, calculada segundo estudos genéricos de análise de ciclo de vida; e uma outra sobretaxa para compensar certos países de problemas ambientais, sociais ou éticos que lhe são específicos. Como se vê, o DaVAT, embora mais abrangente que um imposto sobre o carbono, também está focado no consumo, podendo ser igualmente descrito como um imposto de tipo pigouviano, uma vez que propõe a internalização de custos ambientais mediante a oneração de certos produtos ou atividades que apresentem resultados ambientais lesivos.


Da tributação sustentável do consumo à tributação sustentável da renda empresarial

Se o desígnio final das propostas de tributação sustentável é fazer com que os responsáveis pelo risco ambiental paguem pela externalização de custos a gerações presentes ou futuras, faz muito mais sentido tentar localizar a fonte de lucros produzidos pelo envolvimento em atividades econômicas prejudiciais ao meio-ambiente, para então submeter tais rendimentos a uma tributação mais pesada. É que, muito embora consumidores possam se beneficiar da exploração ambiental ao terem acesso a produtos mais baratos, há de se concordar que os maiores beneficiários (e grandes poluidores) são empresas que lucram com a produção e consumo de produtos não-sustentáveis, já que deixam de suportar parte dos custos de seus negócios.

Por exemplo, quando uma empresa contamina um rio ao conduzir suas atividades de produção, ela reduz seus custos—que são repassados à comunidade local—aumentando, por conseguinte, seus lucros. Essa parcela de sua lucratividade não é fruto de características únicas de um mercado eficiente e competitivo, tal como a inovação e o empreendedorismo, mas corresponde à mera possibilidade de custos serem externalizados a outras pessoas.  

Por isso, pensamos que o caminho mais apropriado para a tributação ambiental seja o de um sustainable excess profits tax (SEP tax), incidente sobre lucros derivados da exploração ecológica. Essa forma especial de tributação não atingiria todo tipo de lucro empresarial, que já é regularmente tributado pelo imposto de renda. Diferentemente, recairia apenas sobre uma parcela dos lucros que corresponde ao que economistas chamam de “renda econômica” (rents), a saber, aquilo que excede todos os custos econômicos envolvidos na condução de negócios e na geração de riqueza (isto é, custos com o trabalho e o capital, custos de oportunidade etc.).

Em economia, a noção de rents simboliza uma quantia capturada por um agente quando este tem acesso ao um recurso por menos de seu valor. Por exemplo, se pessoas dispostas a trabalhar por $10/hora obtêm um salário de $12/hora, isso significa que estão extraindo rents de $2 dessa relação empregatícia. Por outro lado, se sua remuneração for de apenas $8/hora, então são os empregadores que se beneficiam de uma renda econômica de $2. 

Sobretaxar a parcela dos lucros de empresas ligada à utilização de recursos naturais sem a devida compensação pelos danos ambientais gerados não só é adequado do ponto de vista da sustentabilidade, mas é também uma forma economicamente eficiente de tributação. Economistas em geral concordam que, mesmo a alíquotas extremamente elevadas, a tributação de rendas econômicas não interfere nos níveis de produção, investimento ou consumo. Além disso, tal forma de tributação pode ser descrita como mais justa do que o tradicional imposto de renda corporativo, porque melhor realiza a capacidade contributiva, promovendo a progressividade no que tange aos rendimentos de pessoas jurídicas.

Ao fazer incidir uma alíquota mais elevada exclusivamente sobre rendas econômicas decorrentes da externalização de custos ambientais, o SEP tax serviria como importante mecanismo para compensar as populações mais atingidas, fazendo retornar ao público recursos obtidos com a degradação ambiental. Serviria também como forma de equalizar os custos de atividades sustentáveis e não-sustentáveis, para que as últimas não obtenham uma vantagem competitiva injusta.

Perceba-se, ainda, que um imposto nesses moldes não é inteiramente uma novidade, haja vista a existência no passado de inúmeros impostos sobre lucros extraordinários em todo o mundo, instituídos durante o período das duas grandes guerras. Outros exemplos incluem impostos sobre lucros inesperados (windfall taxes), como nos Estados Unidos durante a década de 80 e no Reino Unido durante a década de 90, bem como os chamados impostos sobre rendas econômicas de recursos naturais (resource rent taxes) em vigor em diversos países na atualidade.

Na verdade, o SEP tax combina elementos dessas e de outras propostas, mostrando-se plenamente viável de ser implementado, ainda que unilateralmente. Ele se aproxima do imposto sobre o carbono em razão de seu enfoque no impacto ambiental, se aproxima do Damage VAT pois também utiliza a análise de ciclo de vida para identificação de custos externalizados e se aproxima até mesmo do plano da OCDE para a economia digital na medida em que parte da ideia de que lucros empresariais podem ser efetivamente separados em diferentes categorias e, assim, tributados.


O poluidor deve pagar, mas onde?

Uma última razão que justifica focar os debates sobre tributação sustentável em lucros empresariais está em garantir que os Estados mais afetados pelo empreendimento danoso fiquem com as receitas tributárias correspondentes ao estrago ambiental. Sob um imposto sobre o consumo, o Estados de destino de mercadorias e serviços, que não são necessariamente os mais negativamente atingidos, são aqueles que arrecadam mais. Assim, um mecanismo de ajuste do carbono, conforme proposto pela Comissão Europeia, acabaria trazendo maiores receitas tributárias à União Europeia, com pouco impacto em termos arrecadatórios para os demais países do mundo que sofrem com a atividade empresarial predatória. Já um SEP tax permitiria que receitas fossem alocadas aos Estados de produção ou exploração, para poderem ser reinvestidas na correção dos problemas ambientais provocados em seus territórios.

A razão pela qual só a tributação da renda permite tal resultado pode ser explicada a partir da lógica de legislações sobre preços de transferência. De acordo com essa sistemática, Estados podem ajustar preços e realocar para si lucros de multinacionais, a fim de refletir os verdadeiros custos na fabricação de determinado produto. Assim, combinando a análise de ciclo de vida com a metodologia chamada de location savings, prevista no manual da OCDE de preços de transferência, é possível encontrar qual seria o preço sustentável de uma mercadoria ou serviço, a partir da redefinição de custos que incluam o que foi economizado pela empresa com a poluição do meio-ambiente.

Parece certo não mais ser possível ignorar os efeitos desastrosos da mudança climática e demais problemas ambientais causados por oportunidades disponíveis a certas empresas de explorarem o planeta sem se responsabilizarem pelas sequelas deixadas aos seus habitantes. Também parece não haver dúvidas de que a tributação é um importante instrumental no combate a esse tipo de comportamento destrutivo. Em face das contínuas discussões internacionais sobre como aprimorar o imposto de renda corporativo, é chegada a hora de se refletir sobre como tornar mais sustentável a tributação de lucros de empresas.


Versión en español